Entrevista Ferreira de Oliveira, presidente da Galp no Diário Económico
O objectivo da Galp a curto prazo é sustentar e fazer crescer o valor da sua acção, mantendo resultados que sejam iguais ou superiores aos previstos pelos analistas. E, ao mesmo tempo, manter uma equipa interna coesa, unida, capaz de gerar uma cultura de ambição, rigor e de criar oportunidades de crescimento que crie riqueza para todos.
Qual vai ser a estratégia em investimento e criação de postos de trabalho?
A maior alegria de qualquer gestor com alguma sensibilidade social é criar postos de trabalho. Mas primeiro temos e ter bons resultados com as operações que temos para gerarmos recursos que são investidos em activos que por sua vez empregam pessoas. Este é o círculo virtuoso.
Mas a médio e logo prazo qual é o vosso plano de investimento?
Temos planos de investimentos muito grandes. O que já foi divulgado aproxima-se dos quatro mil milhões de euros, a realizar até 2011. Periodicamente, em função dos resultados, vamos actualizando o plano de negócios. Neste momento estamos nessa fase de reflexão e antes do final deste ano actualizaremos aquele valor. Grande parte desse investimento, 1,2 mil milhões de euros, destina-se à melhoria do aparelho refinador em Sines: processo de refinação, aumento da capacidade de co-geração e outros projectos complementares. No Porto, num projecto da mesma natureza, vamos investir cerca de 500 milhões de euros. Já estamos a construir neste momento uma unidade de co-geração em Sines e temos está em processo de licenciamento uma outra no Porto.
Quando é que estarão concluídas?
Sines estará concluída no fim do próximo ano e a do Porto em finais de 2009, se tudo correr como esperamos, no licenciamento.
E há postos de trabalho?
Em número relativamente pequeno. Uma central de co-geração emprega sete a dez pessoas. É muito automatizada. Mais importante do que os postos de trabalho que cria directamente é o facto de tornar a unidade industrial mais eficiente criando o tal circulo virtuoso: sendo mais eficiente produz mais resultados o que liberta recursos para novos investimentos.
Que tipo de postos de trabalho, qualificados ou não?
Os postos de trabalho que a Galp Energia cria no centro de gravidade da sua actuação requerem qualificações elevadas. No grupo trabalham 6.400 pessoas, das quais mais de três mil têm qualificações muito específicas.
A Galp é uma empresa que está em todas as áreas da energia. Qual é a prioritária?
A Galp Energia é, usando um anglicismo, uma ‘Total Energy Company’, está em toda a cadeia do processo energético. Começamos a nossa actividade na pesquisa de fontes de energia, onde estamos hoje nas águas profundas de Timor, em Moçambique, Angola, Brasil e nos primeiros estudos na costa portuguesa. E estamos a estudar outras áreas de intervenção. Essa energia primária é convertida em combustíveis, asfaltos, os lubrificantes … Depois, temos a cadeia de distribuição e as estações de serviço que todos conhecemos. Esta é a cadeia do petróleo e gás. Mas além disso estamos também a transformar estes produtos em electricidade. Fazemo-lo nas nossas refinarias, onde temos duas centrais eléctricas que as alimentam. E neste momento avançamos para duas para centrais de co-geração. Temos como objectivo construir duas unidades de ciclo combinado de 400 megawatts, em Sines. Estão em processo de licenciamento, para produzir e comercializar electricidade, o que será uma alternativa à EDP para os consumidores. Temos outras ambições. Estamos muito atentos ao programa ambicioso do Governo na hidroelectricidade e vamos concorrer a todas as licenças. Estamos atentos para crescer no sector eléctrico, quer na dimensão comercial como produtiva.
Neste plano a cinco anos qual a que é a área prioritária de crescimento?
Na energia, cinco anos é curto prazo, é aquilo que já estamos a fazer. O investimento que estamos a fazer na refinaria de Sines entra em produção em 2011. Dez anos é médio prazo e 15 anos longo prazo. Há projectos onde estamos a investir olhando a 15 anos, para o longo prazo. Por exemplo, assinámos há cerca de dois meses atrás com a Petrobras e a Partex uma parceria para quatro blocos no ‘off-shore’ profundo da costa portuguesa. Só estaremos preparados para começar a fazer sísmica, a primeira fase de intervenção no terreno neste espaço de 12 mil quilómetros quadrados, daqui a um a dois anos. Agora estamos a fazer estudos de natureza geológica. Depois da sísmica teremos de fazer a perfuração exploratória que levará três a cinco anos. São cerca de 10 anos. E se a natureza for generosa e nós tivermos sido competentes levaremos ainda mais dois ou três anos para começar a produzir.
Isto significa que, se existir petróleo, só em 2020 é que Portugal o poderá começar a vender?
É verdade. Estamos a gastar recursos hoje e se lá existir petróleo estaremos com esse petróleo no mercado em 2020. Cada fase deste projecto é de resultado zero ou um. Primeiro estudamos a geologia que por sua vez leva ao estudo da sísmica, e nessa altura poderemos ter de decidir abandonar o processo. Passo à fase seguinte que é perfuração exploratória, que já é cara. Cada poço custa 50 a 70 milhões de dólares. Já temos de avançar com um grau de confiança elevado.
Colocando a questão de forma mais popular, daqui a cinco seis anos é que saberemos se há petróleo.
Daqui a cinco a seis anos [2013] saberemos qual é a probabilidade de encontrarmos hidrocarbonetos no ‘off-shore’ profundo da costa portuguesa.
E qual é a área de negócio que a Galp quer crescer mais? Há domínios que já estão relativamente maduros…
Na refinação temos uma posição no mercado ibérico. O consumo total de produtos petrolíferos está mais ou menos estabilizado. A possibilidade de criar valor neste domínio é ser mais eficiente. Na área da distribuição a retalho a Galp tem 37% de quota de mercado e no mercado grossista tem cerca 50%. Aqui também não temos grandes oportunidades de crescimento. Quem tem esta quota de mercado não é fácil crescer. Se existirem oportunidades vamos aproveitá-las, mas não é a nossa âncora de crescimento.
E no exterior?
Estamos a crescer e vamos continuar em Espanha. Na distribuição temos também uma presença modesta mas bem distribuída nos países africanos de língua portuguesa. E à medida que a economia africana evolua podemos ter oportunidades de crescimento nesses países. Mas além daquelas áreas, no negócio do gás, também temos uma quota elevada, com 100% do mercado gás e distribuímos cerca de 72% do que chega às casas e à indústria. Também aqui temos de crescer com economia [de custos].
Restam poucas áreas…
A área de crescimento da nossa empresa em termos de volume é no sector eléctrico, onde somos muito pequenos. Outra área é a da produção e exploração de crude. Os três grandes negócios são a refinação, o gás e a distribuição de produtos petrolíferos. Os negócios de crescimento são o petróleo e o sector eléctrico.
E a ideia é crescer organicamente e não através de aquisições?
Queremos crescer organicamente ou através de parcerias. No negócio de exploração e produção de petróleo e gás, que é de alto risco, nunca se vai sozinho. Tal como acontece no gás.
E na electricidade?
Na electricidade estamos a construir uma estratégia sustentada que nos permita evoluir como uma verdadeira alternativa à EDP.
E isso significa? A construção de centrais levará muito tempo…
O negócio eléctrico tem a parte da comercialização em que os distribuidores compram na rede grossista. Podemos entrar nesse mercado, comprando por grosso. Como temos grande parte dos clientes no gás, existem sinergias claras na venda também de electricidade. Mas para isso precisamos que este mercado exista, o que não acontece. Estão a dar-se passos para que comece a existir.
O mercado não existe porque o preço é inferior ao custo.
Porque existem tarifas reguladas que não permitem a existência de concorrência efectiva.
As recentes medidas adoptadas pelo Governo no sentido de impedir a subida dos preços da electricidade para valores mais próximos do mercado atrasaram ainda mais essa concorrência?
Quanto maior for a intervenção nos preços mais se está a contribuir para a perpetuação do mercado do incumbente [a EDP] porque não se abre espaço para a entrada de outros operadores. Concordo com a maioria das razões, não com todas, que levam os governos em geral a intervir nos preços. Em termos conceptuais, quando o Governo regula de forma que os preços não estão associados aos custos cria mecanismos de compensação dirigidos ao incumbente, já que é ele que está a prestar esse serviço
Está a dizer-me que estas medidas do Governo que levaram à demissão de Jorge Vasconcelos da entidade reguladora acabaram por proteger ainda mais a EDP e prejudicar a expansão da Galp na electricidade?
Não queria dizer isso. Queria apenas dizer que só quando os preços traduzem os custos é que existem condições para um mercado competitivo. O processo é válido quer no sector eléctrico quer no gás. Neste é a Galp o incumbente. Os passos que estão a ser dados pelo Governo e pelo regulador vão na direcção de chegarmos o mais cedo possível a mercados aberto. É nesse sentido que a Galp espera, um dia, operar no sector eléctrico. Como não tenho dúvidas que outros operadores entrarão no mercado do gás.
Quando é que um cidadão comum pode esperar escolher a Galp como seu fornecedor de electricidade?
Em termos teóricos já o podia fazer agora [o enquadramento jurídico já existe]. Na prática não pode porque não existem condições para actuar no mercado. No gás também não se pode escolher. E neste segmento só existirá enquadramento jurídico em 2009.
Durante muitos anos vamos ser obrigados a ser clientes da EDP na electricidade e do gás na Galp.
Acredito que não. Pelos contactos que tenho, vejo que há da parte do Governo um empenho genuíno no sentido de criar todas as condições para que a concorrência venha a existir. A Galp deseja esse contexto. A origem da Galp é a actividade de refinação e distribuição que vive num ambiente profundamente concorrencial. No gás não operamos nesse ambiente e celebraremos o dia em que isso acontecer.
Mas já produzem alguma electricidade?
Produzimos nas nossas centrais e temos mais três unidades de co-geração em instalações de grandes clientes. Vendemos vapor e alguma electricidade e o que sobra colocamos na ‘pool’. Entraremos de facto no sector quando tivermos a funcionar as duas unidades de ciclo combinado de 800 megawatts em Sines, em 2009 a primeira e em 2010 a segunda. Aí já seremos um operador relevante. As centrais de co-geração são essencialmente para a refinaria, embora exista uma parte que pode ser colocada no mercado.
E no concurso que ganharam na eólica?
A energia eólica mais do que um negócio é um projecto. Na eólica concorro para levantar uma torre e tenho garantida a compra da energia, com prioridade sobre as outras energias por razões ambientais. Não tenho de me preocupar em vender electricidade, já está vendida. Só tenho é de produzir. E é uma energia que tem um preço mais elevado que a outra, porque a sociedade a valoriza mais. Os projectos eólicos não aumentam a concorrência, são de raiz económica e ambiental.
No domínio da hidroeléctrica foi revelado recentemente que iriam ‘dividir’ as águas com a EDP?
Não temos nenhuma espécie de Tratado de Tordesilhas sobre estas matérias. O Governo, e bem, quer intensificar os investimentos no sector hidroeléctrico, o que é necessário até por causa das eólicas. Se houver muita energia eólica em alturas de pouco consumo de electricidade aquela pode ser usada para bombear água para as barragens, acumulando energia eólica sob a forma de água. A Galp vai concorrer às hidroeléctricas com empenho e convicção. Queremos ganhar.
No Alqueva também não existe um acordo com a EDP?
Foram reconhecidos alguns direitos especiais à EDP na exploração do Alqueva. A Galp está disponível, como sempre esteve, no Alqueva ou em qualquer outra central hidroeléctrica da EDP, para participar numa parceria. Se tivermos essa oportunidade, diremos que estaremos disponíveis para investir com a EDP.
E lançar uma OPA sobre a EDP, sempre foi equacionada?
Não passou de um projecto. Só se soube depois de já não existir. A nossa empresa tem no seu código genético a concorrência, ganhamos mais dinheiro em ambientes competitivos. E pensámos de uma forma muito simples. Nós somos o incumbente do gás, a EDP é o da electricidade. O projecto era fundir a GDP com a EDP e criar duas empresas de gás e electricidade, uma mais pequena com um mercado de 30 a 40% e outra com 70% a 60%, que seriam colocadas em concorrência. Tal como existe entre a TMN e a Vodafone. A maior ficaria no universo Galp e a mais pequena era vendida com um concorrente internacional para concorrer com a primeira criando uma concorrência simultânea nos mercados de gás e electricidade.
E o que é que o fez desistir do projecto?
Verificámos que tínhamos condições económico-financeiras para o realizar mas não encontrámos um enquadramento estratégico que o justificasse. E nem cheguei a levar o tema ao Conselho de Administração da Galp. O meu dever é estudar os projectos, analisar a sua viabilidade técnica e económica e o seu enquadramento estratégico. E só levo o tema a Conselho quando vejo que tem esse enquadramento. Não consegui o enquadramento estratégico.
O que quer dizer com enquadramento estratégico?
Que todos os ‘stakeholders’ estivessem convencidos que esse projecto era a melhor forma de criar valor para a Galp e para a sociedade na qual nos inserimos. E quando analisei todo o contexto verifiquei que era matéria que não deveria ir a Conselho.
Isso significa que não havendo nada para comprar não há outra alternativa se não crescer organicamente.
Essa foi a primeira forma em que pensamos crescer. Uma vez que não foi possível ir por esse caminho, temos de crescer com projectos novos. Um projecto eléctrico novo demora quatro a cinco anos a executar: um ano para licenças, outro para projecto e dois a três anos para construir uma grande central eléctrica. Estamos com duas grandes unidades nessa fase, as tais de Sines.
Qual é a perspectiva para a primeira barragem, um projecto hidroeléctrico?
Temos grandes possibilidades de o conseguir uma vez que o nosso principal concorrente tem quase cem por cento de quota de mercado. Pode ser que isso seja para nós uma vantagem competitiva. Mas vão concorrer outras empresas internacionais.
Há alguma localização [de barragem] que prefira?
Não vou referir porque estaria a dar cartas aos meus concorrentes. Estamos disponíveis para ir a todos os concursos de hidroelectricidade que existam no nosso país, com critérios de racionalidade económica.
Quanto ao acordo com a Petrobras para as 600 mil toneladas de biocombustível. Quando é de esperar o primeiro fornecimento?
Os biocombustíveis são um produto novo, a energia renovável dos transportes. Os de segunda geração são mais caros de produzir mas têm melhor desempenho ambiental e como combustível que o mineral, posso dilui-lo até 100%. Teremos de investir nas nossas refinarias para cima de 200 milhões de euros para processar este tipo de produto. A matéria-prima é o óleo vegetal que se tem designado crude verde. A nossa parceria com a Petrobras é para produzir petróleo verde. O óleo vegetal pode ser transformado no Brasil ou em Portugal. Vamos ter um mix. Para o mercado português vamos produzi-lo nas nossas refinarias onde será convertido em biodiesel de segunda geração. Com o remanescente faremos biodiesel de primeira geração no Brasil ou em Portugal para comercializar na Europa.
E quando?
Está uma equipa no Brasil com quem até tenho trabalhado pelo telefone. O plano de negócio é conduzir ao registo da sociedade que será 50% Galp e 50% Petrobras.
Como é que se vai chamar?
Temos uns nomes, mas deixo essa revelação para o dia do baptismo. Para termos produtos de oleoginosas precisamos de pelo menos dois anos. Primeiro tem de se contratar com os agricultores. Diria que em 2010 já temos volumes grandes e em 2011 ou 2012 estaremos em velocidade de cruzeiro. Isto envolve cerca de 600 mil hectares de terreno. Estamos a falar de uma grande projecto de agro-energia. O nosso plano é fazer um milhão de hectares de oleoginosas, 600 mil no Brasil e 400 mil em África.
Angola ou Moçambique?
Em Angola e Moçambique. Para vender em Portugal e nos mercado europeus. Este é um projecto está verticalmente integrado. Hoje já fazemos isso nas gasolinas, compramos crude, produzimos mais gasolina do que consome o mercado interno e somos grandes exportadores desde 1995. Nos Estados Unidos já somos um fornecedor estabelecido. No gasóleo infelizmente já é o contrário, importamos. Estamos a reforçar as refinarias para aumentar a produção de gasóleo. No biodiesel queremos estar na posição das gasolinas, abastecer o mercado nacional e os mercados internacionais.
A Galp está a ser a única neste tipo de projecto com a Petrobras?
Vão aparecer mais projectos mas, neste momento, dos operadores que estão a colocar no mercado biocombustíveis é o único que conheço verticalmente integrado, com a tecnologia definida, estudos de mercado e de produção bem fundamentados e com dois parceiros com competência para fazer o que dizem que vão fazer. Considero que é, neste sector, dos projectos mais bem estruturados do mundo neste momento.
Mas não há outras grandes empresas neste negócio? A Repsl, por exemplo, hoje um grande gigante mundial…
A Repsol está com um projecto muito ambicioso mas, na minha opinião, menos perfeito que o nosso. Assim como a Neste Oy, empresa finlandesa. Têm uma estratégia diferente, não são verticalmente integrados, estão concentrados no processo de produção e distribuição. Uma empresa que anunciou passos parecidos com os nossos foi a BP com uma empresa das Filipinas. É uma área onde a Galp tem obrigação de ser uma referência.
No caso de Angola e Moçambique já têm as negociações avançadas?
Sim, já temos os projectos avançados mas não posso dar mais detalhes. Pensamos que o projecto todo de biocombustíveis estará em condições de ser divulgado até ao fim deste ano. Já com a sua dimensão económica e investimentos, esforços e resultados esperados.
Uma das afirmações que fez foi que só com Angola e Moçambique é que conseguiríamos atingir o objectivo de 10% de biocombustíveis em 2010 consagrado no Plano energético nacional.
O país precisa de cerca de 700 mil toneladas de biocombustíveis para cumprir esse objectivo de 10% dos combustíveis rodoviários. Para isso precisamos 700 mil hectares. Com o Brasil temos 600 mil mas para nós são 300 mil, falta ao país os restantes 400 mil. Nós não pretendemos abastecer a totalidade do mercado português. Mas vamos completar a nossa operação para sermos um operador relevante na Europa.
A tecnologia dos automóveis híbridos também movidos a electricidade não pode ser uma ameaça a este negócio dos biocombustíveis?
Hoje em dia, todas as fontes de energia são necessárias para satisfazer as necessidades energéticas. Não tenho dúvida que os netos da minha neta vão viver num mundo em que os transportes serão com biocombustível, eventualmente de terceira geração, e com hidrogénio e electricidade. Daqui a cem anos o sector dos transportes deixará de ter emissões de CO2 [dióxido de carbono]. O hidrogénio é o combustível ideal, combinado com o oxigénio do ar e liberta energia que produz electricidade e tem como produto secundário a água.
Isso significa que o negócio que está mais ameaçado é o do petróleo?
Não está mais ameaçado. As empresas evoluem. Os maiores produtores de hidrogénio são as indústrias petrolíferas. As nossas duas refinarias de Sines e Porto são grandes produtoras de hidrogénio que usamos para melhorar os combustíveis minerais. O gasóleo de hoje é completamente diferente do de há 30 anos. Os combustíveis têm sido cada vez menos intensivos em carbono. O primeiro combustível que o homem usou foi a lenha, que praticamente só tem carbono. O carvão já é um hidrocarboneto. O petróleo tem menos carbono ainda. E o gás natural tem mais hidrogénio e menos carbono. As gasolinas e naftas têm ainda menos carbono e mais hidrogénio. Temos evoluído, ao longo dos últimos dois séculos, de uma economia intensiva em carbono para uma economia que é cada vez mais hidrogénio. E a indústria tem acompanhado esse movimento. As grandes multinacionais, a Shell e a BP, tiveram minas de carvão que hoje não têm. E se olhar agora para os seu activos, estão mais focalizadas em gás que em petróleo. Os carros eléctricos são uma evolução. Nos negócios começamos sempre do mercado para a fábrica, e nunca o contrário. O mercado vai exigindo produtos diferentes, e no caso dos combustíveis exige cada vez mais duas coisas: hidrogénio e electricidade. Numa linguagem transgeracional as empresas vão-se adaptando ao que o mercado procurar.
Combustíveis mais amigos do ambiente?
A electricidade não tem emissões e no caso do hidrogénio o sub-produto é água. E a electricidade e o hidrogénio terão de ser também produzidos por processos amigos do ambiente. É para aí que caminhamos, com as energias renováveis, com as tecnologias aplicadas às energias fósseis também elas cada vez mais amigas do ambiente.
Esta evolução no consumo de energia por afectar os equilíbrios geo-políticos actuais?
Os equilíbrios geo-políticos que conhecemos hoje são recentes. Ocorreram nos últimos dois séculos. O petróleo, o gás e o carvão são energia solar armazenada. A única fonte de energia que dispomos é a solar. Durante muito tempo o homem consumiu menos energia do que era produzida na Terra. Estamos a consumir aquilo que o Sol ontem nos deu. Chegará um tempo em que consumiremos o que chega. A partir do momento em que os recursos estejam igualmente distribuídos – com a energia solar através das renováveis - esse poder acabou. Infelizmente estamos muito longe deste cenário. Mas não me choca, como profissional do sector, pensar que daqui a cem anos podemos estar a viver nesse contexto. Se pensarmos como vivia o homem há cem anos atrás, esse cenário futuro é tão diferente do de hoje como aquele que se vivia há um século. Está ao alcance do homem.
Portugal continua a ser um dos países mais dependentes do petróleo. Estes investimentos que a Galp está a realizar vão reduzir essa dependência?
O país não tem fontes de energia fóssil.
Outros também não a têm e conseguiram resolver o problema, por exemplo, com o nuclear.
A única fonte que não temos é o nuclear. Quando se falou de energia nuclear, debate em que participei quando era novo no famoso livro branco da energia nuclear, o sistema eléctrico português não aguentava uma central. Essa discussão começou em finais de 60 início de 70 e as centrais nucleares construíram-se na sua maioria entre 1975 e 1985. A primeira pergunta que um engenheiro faz é a seguinte: como é que abasteço o mercado se a central disparar, sair de serviço? A rede é tão grande que não existia outra capacidade capaz de a substituir, nem ligações às redes internacionais para nos socorrer. Hoje qualquer central portuguesa, se disparar, arranca outra em substituição de modo que ninguém sente nada em casa. Só quando Portugal tiver as interligações com Espanha que se estão a discutir é que se pode começar a discutir se devemos, ou não, ter nuclear.
E é a favor ou contra?
Não sou a favor nem contra. A central nuclear tem um risco de segurança. Não há cidadão nenhum que se sinta confortável com uma fábrica que, embora produza um bem que todos desejamos, tem como resíduo um produto que não sabemos bem o que lhe fazer. Embora exista a expectativa de que o homem, um dia, saberá o que fazer com os resíduos nucleares. Depois existe a questão das emissões de radioactividade. Nesse domínio sinto-me mais tranquilo. A tecnologia já evoluiu o suficiente para que o resíduo dessas emissões esteja dentro dos riscos que se podem aceitar.
Pensa então que não devemos fechar a porta ao nuclear, esperando apenas que as redes de ligação a Espanha sejam mais sólidas?
Neste mundo sedento de energia não devemos fechar a porta a nenhuma opção. Todas devem ser debatidas. Os que pensam sobre estes temas dizem que a grande fonte de produção de hidrogénio vai ser através da electrólise da água realizada com energia eléctrica produzida por fusão nuclear e não por cisão nuclear.
A fusão é mais segura…
Não tem resíduos. Há grandes projectos de investimento em fusão nuclear, há quase protótipos a funcionar e fala-se em mais 50 anos para poder começar a ser comercializável. Se o homem tivesse possibilidade de dispor, em termos competitivos, de fusão nuclear o problema energético estava resolvido. Consegue produzir electricidade e hidrogénio sem resíduos.
Gostaria que a Galp fosse a empresa escolhida para a próxima privatização? Fala-se também da REN e EDP.
Das empresas que referiu do sector energético aquela em que o Estado tem a menor participação é a Galp. Tem 1% na CGD, onde estão concentrados os direitos especiais do Estado, mais 7% na Parpública. A Galp Energia tem um ‘floating’ bastante baixo, há mais pessoas a comprar que a vender. Eu tenho acções da Galp e não vendo. Se o Estado colocasse os 7% no mercado iria contribuir para um maior ‘floating’ da empresa, satisfazendo uma procura que existe. Nós temos claramente uma procura para essas acções. Mas é uma decisão que não é da empresa. O Estado é que tem decidir. Se o decidir fazer, a Galp recebe bem essa decisão e colaborará para uma boa colocação dessa acções.
A Galp não foi subavaliada na operação de privatização?
O meu critério é a valorização subsequente, o que pode ser simplista. Por vezes a nossa memória é curta. Um ano antes do IPO [colocação em bolsa] houve uma compra de uma participação num ambiente de alguma competitividade. A seguir foi avaliada por vários bancos, uns escolhidos pela própria empresa, outros pelo accionista vendedor que era o Estado, que recomendavam a venda por um valor entre 4,3 e 4,5 mil milhões de euros. O Estado acabou por vender por 4,8 mil milhões, acima das avaliações. A nossa capitalização bolsista [valor no mercado] está nos 9,1 mil milhões de euros [antes das recentes quedas na bolsa]. O nosso Ebitda [recursos gerados] recorrente é da ordem dos 900 milhões de euros, estamos com um valor que é dez vezes [o Ebitda].
E o que explica essa valorização?
Todo o sector se valorizou. A média de crescimento do sector energético por acção, este ano, foi de 30%. Sem fazer nada teríamos crescido isso. A nossa valorização, só para simplificar, está na ordem dos 90% [a Gal foi vendida em bolsa a 5,81 euros]. Um terço dessa subida é explicado pelo sector. Num juízo qualitativo, o outro terço deveu-se à estabilidade accionista e objectivos claros. O restante deve-se à transparência e clareza na comunicação com os investidores e ao facto de termos posto em marcha todas as linhas de actuação que anunciámos na altura da privatização.
O TGV terá algum impacto na Galp?
Não, nós usamos o transporte marítimo para exportação. Não usamos muito o transporte por terra. Só é utilizado para as estações de serviço.
E o novo aeroporto?
O combustível para é das áreas de maior crescimento da nossa casa hoje. Cada vez mais todos nós andamos mais de avião. Vemos com muito empenho o melhoramento dos nossos aeroportos.
Porque é que os preços dos combustíveis acompanham tão bem a subida dos preços do petróleo e tão mal a descida? Parece um puzzle.
Não é um puzzle. Há alturas em que a margem é negativa, como aconteceu em Dezembro. Nós temos, em média, todos os dias, um navio a carregar, outro a descarregar e outro no mar alto. Compramos em todo o mundo. Se por exemplo estivermos a carregar hoje o preço será a média da cotação no dia da carga, uns dias antes e uns dias depois. Depois de gerimos risco. Na refinaria processamos 300 mil barris dia e não compramos todos os dias essa quantidade. O que faço é comprar em papel, no mercado de futuros, todos os dias 300 mil toneladas, e vendo o papel no dia em que carrego.
Considera então que não há mais resistência na descida que na subida?
Há um desfasamento entre 30 a 60 dias entre a descida ou subida do crude e o seu reflexo no consumidor. Só que quando as coisas melhoram ninguém nota. A refinação é uma actividade bonita em termos económicos, porque compra e vende mercadorias. E o preço de cada um delas é de uma grande transparência. O preço do combustível de avião é como ver a taxa de câmbio de uma moeda. Há um mercado como há para o gasóleo e o crude. A Galp vende gasolina e gasóleo à sua rede de distribuição a cotações internacionais. E vende também à sua concorrência a esses preços. O que é independente do preço do crude. Já fui ‘trader’ nesta área por isso digo que se vive neste sector em total concorrência.
“Vou para onde me levarem, durante duas semanas”
As férias da sua vida foram uma aventura de carro pelos fiordes. Ferreira de Castro e Chopin são-lhe especiais.
Como vão ser as suas férias?
Como sempre com os meus filhos, a minha netinha e a minha mulher.
Quantos anos tem a sua netinha?
Tem dois anos e meio. É uma princesa.
Vai para onde?
Vou para onde me levarem durante duas semanas. Não tenho nenhum nível de exigência. Eles é que mandam.
Quais foram as férias da sua vida?
Eram os mais filhos mais novos, foi uma viagem de carro ao longo dos fiordes da Noruega sem hotel nem nada marcado. Gostava de repetir essas férias, mas agora terá de ser numa carrinha. Na altura do degelo e de Norte para Sul.
Que livros é que está a ler?
Tenho sempre dois livros na minha mesa-de-cabeceira. Um que para reler e outro que é ler. Estou a reler ‘The world is flat’, de Thomas Friedman. Ajuda-nos a pensar o mundo, mostra que estamos muito mais próximos uns dos outros do que pensamos. E estou a ler um livro que me foi oferecido pelo embaixador da Espanha em Venezuela Raul Morodo ‘Dos maestros del pensamento iberico’, que são Fernando Pessoa e Henrique Tierno Galván. Duas personalidades que viveram em períodos sucessivos da história, e um era pessimista e o outro optimista. Olhavam para o presente e tentavam adivinhar o futuro. E os dois quase acertaram. O primeiro era pessimista e veja o que aconteceu depois do período pós liberalismo em Portugal. O segundo era optimismo e vê-se o aconteceu em Espanha nos últimos anos.
Tem um livro que é o da sua vida?
Sou de Oliveira de Azeméis e não há ninguém que seja de lá que seja insensível ao Ferreira de Castro. Os meus pais foram emigrantes e eu também fui emigrante. Li toda a sua obra.
Os seus pais foram emigrante onde?
Os meus pais foram emigrantes em Venezuela. Posteriormente também vivi lá por razões profissionais. Os meus pais hoje vivem em Portugal. Nunca vivi com os meus pais na Venezuela, fiquei em Portugal com os meus avós.
Que coincidência ter depois ido parar à Venezuela…
Nós às vezes ajustamos por vezes o nosso caminho. Quando tive oportunidade de ser colocado fora do país e me deram a opção de ir para a Venezuela, escolhi. Uma escolha pela relação emocional que tinha.
Televisão, vê?
Nunca vejo televisão nem vou ao cinema. Quando chego a casa desligo a televisão. Têm de me dizer o que se está a passar. Só vejo se for uma entrevista com alguém.
E DVD também não vê?
Vejo com a família, para fazer companhia. O meu tempo livre é dedicado ou a exercício físico – que infelizmente é pouco e o preferido é caminhar - ou a ler ou a ouvir música.
E que tipo de música é que gosta?
Todo o tipo de música. Mas adoro piano. Chopin é o meu preferido. Desde jovem e incuti esta vocação nos meus filhos que tocam os dois piano. É um sonho que eu nunca atingi.
Não vai ao ginásio?
Não. Tenho uns aparelhos em casa e gosto imenso de caminhar.
E propor um projecto de ginásio com piscina aqui na Galp?
Não pode ser.
E jornais, lê?
Leio os económicos à noite, não de manhã, para não me perturbar a vida. E um diário generalista que rodo todos os dias.
Chega aqui sem informação?
Oiço as notícias de manhã no rádio do carro o e tenho um sistema aqui que me diz o que é importante. Leio o que me diz respeito, notícias sobre as quais tenha eventualmente de reagir.
Não gosta de internet?
Não tenho tempo. Mas uso o mail intensivamente
E como é o seu dia? Acorda cedo.
Estou sempre aqui na Galp às 8 da manhã. E saio daqui às 8 a 9 noite. Nunca saí daqui cansado.
E fica aqui fechado? Nem sai para almoçar?
Considero que se gasta muito tempo a almoçar fora. Almoço quase sempre em trabalho mas convido as pessoas a almoçarem aqui.
Nas férias lê jornais?
Leio. Gosto muito de ler, desde pequeno.
E desliga-se do mundo nas férias, o telemóvel…
Não. Mas tenho tido o privilégio de as pessoas com quem trabalho me respeitarem muito. O que quer dizer que só me ligam quando é realmente necessário. Não me desligo da empresa em férias.
Quem é que não gostaria de ver nestas férias?
Qualquer que seja a pessoa, tenho gosto de a ver.
Quando seremos como os nórdicos, onde as famílias vendem energia para a rede.
Mas isso já é possível. Eu sou um pequeno produtor de electricidade que vendo à EDP, o que me dá muito prazer e um certo gozo pessoal. Facturo entre 400 a 600 euros mês. Tenho duas micro-instalações de geração eléctrica, uma na cidade do Porto e outra em Vale de Câmara, na casa da aldeia que era dos meus sogros
Qualquer pessoa pode fazer isso?
Qualquer pessoa pode fazer isso desde que se disponha a uma peregrinação administrativa que é complexa. Quem fez essa peregrinação foi o meu filho mais novo que com perseverança conseguiu essas licenças, cumprindo trâmites acessíveis a qualquer cidadão.
Quanto é que investiu?
Em cada uma das instalações cerca de 30 mil euros. São centrais fotovoltaícas e a única coisa que é preciso é limpar de vez em quando os painéis, tratá-los com cuidado.
Perfil
Manuel Ferreira de Oliveira, 58 anos, é presidente da comissão executiva da Galp Energia desde 2006. É um regresso. Já tinha estado na então Petrogal de 1995 a 2000. Os seis anos fora do sector da energia, os únicos na sua carreira, passou-os à frente da Unicer. Licenciado em engenharia electrotécnica na faculdade de Engenharia do Porto, é doutorado Universidade de Manchester. Viveu, diz, 34 meses nessa cidade e o mais velho dos seus dois filhos é mancuniano. Começou a sua vida profissional como professor catedrático em 1978 e ao mesmo tempo foi gerente de uma pequena central térmica e trabalhou para uma delegação da antecessora da EDP no Porto. Mas em 1979 tem um convite e sai do país, para a Venezuela onde os seus pais tinham sido emigrantes e onde nunca tinha estado. Só regressa a Portugal em 1995. Nesses anos trabalhou sempre no sector da energia um pouco por quase todos os continentes - Europa, Japão e Estados Unidos. Vai para a Venezuela trabalhar para a Lagoven, uma empresa participada da Petróleos de Venezuela, sucessora da Creole Petroleum Corporation, subsidiária da Exxon. Trabalhou em cargos executivos ou na administração para BP Bitor Energy em Londres, na Nynãs Petroleum em Estocolmo, Ruhr Oil de Dusseldorf e PDV Serviços de Haia. Profundo conhecedor do sector como se percebe pela entrevista, é igualmente um apaixonado pela energia: “É uma actividade muito bonita”. Sereno gosta mais de ouvir do que falar.
in Diário Económico
Etiquetas: energia geral