quinta-feira, 14 de junho de 2007

Gastos a eito

Gastos a eito

Há mais sinais dessa falta de competitividade. Passando dos transportes para a energia eléctrica, vamos encontrar o mesmo despesismo e desperdício. De acordo com as projecções da União Europeia, Portugal é o país que no espaço comunitário mais aumentará as emissões de gases de estufa no sector residencial e um dos que mais cresce no sector dos serviços. É certo que actualmente cada português consome em média cerca de dois terços da electricidade utilizada por um europeu comunitário, mas essa distância está a atenuar-se. Apesar dos governantes repetidamente utilizarem este argumento do reduzido consumo face aos parceiros comunitários, é bom recordar que poucos países têm um Inverno tão ameno e, portanto, sem tantas necessidades de aquecimento. Mesmo admitindo que, ao longos das últimas duas décadas a subida do consumo energético nacional – e, por associação, da emissão de gases de estufa – tenha permitido uma melhoria do conforto dos edifícios, existem dados que merecem reflexão. Por exemplo, desde 1970, enquanto o nosso produto interno bruto não chegou a triplicar, a factura eléctrica nacional subiu quase seis vezes. Por outro lado, de acordo com as projecções da Direcção-Geral de Energia, em 2010 os consumos do sector da electricidade situar-se-ão nos 20 mil milhões de toneladas-equivalente de petróleo – isto é, um aumento de cerca de 50 por cento em relação a 1990.

Se este cenário já não é animador, em termos de balanço global de energia assistimos a um autêntico sorvedouro de divisas. Com efeito, se na electricidade – que representa cerca de 20 por cento da procura energética do país –, o despesismo é a norma, nos outros sectores não se está melhor. De acordo com dados da Comissão Europeia, o nosso país importou no ano 2000 quase mais 6,5 mil milhões de toneladas-equivalente de petróleo que em 1999, o que representou um crescimento de 42 por cento. Exceptuando o pequeno Luxemburgo, o nosso país é o Estado da União Europeia com maior dependência energética do exterior, atingindo as importações de combustíveis quase 90 por cento das necessidades. Mais preocupantes ainda são as poucas valias económicas desta vertiginosa subida nos consumos energéticos. Em 1990, a intensidade em energia final – um indicador de rentabilidade económica – rondava em Portugal cerca de 4,4 mil toneladas de petróleo consumido por milhão de euros de produto interno bruto. Actualmente, essa relação já ronda as cinco mil toneladas. Assim, numa década para produzir a mesma unidade de riqueza gastamos cerca de 13 por cento a mais de energia. A nível da União Europeia, a evolução média foi em sentido completamente inverso: a intensidade energética melhorou 10 por cento. Mas as autoridades estão agora optimistas, embora provavelmente pouco realistas. Num estudo apresentado no final do ano 2000, a Direcção-Geral da Energia projectava um crescimento médio anual do produto interno bruto da ordem dos quatro por cento entre 1999 e 2010 contra um aumento no consumo médio anual de energia inferior a um por cento. Por isso, das duas, uma: ou vamos agora ter um “25 de Abril energético” ou estas projecções – quer por defeito, no caso dos consumos, quer por excesso, no caso do produto interno bruto – são uma autêntica ficção.

Pelo “andar da carruagem”, a segunda hipótese é aquele que toma melhor forma, tanto mais que entramos no último trimestre de 2002 em recessão económica e os consumos de energia continuam a subir. Como se pode esperar que os desperdícios se reduzam quando até nas pequenas coisas se dão maus exemplos? Há cerca de um ano, a Gás de Portugal promovia o aumento dos banhos de imersão nas suas campanhas de marketing, demonstrando que se podia consumir mais gastando o mesmo, quando a mensagem deveria ser a de consumir o mesmo gastando menos. Um pouco antes, a EDP teve a macambúzia ideia de propor “descontos de amigo” aos seus clientes que comprassem ar condicionados ou incentivava os consumidores a contratarem potências instaladas mais elevadas, sabendo que uma gestão correcta dos electrodomésticos torna isso desnecessário. E enquanto isso, continua pouco interessada na adesão dos consumidores à tarifa bi-horária, agravando inexplicavelmente a mensalidade dos contadores para a tornar menos atractiva economicamente.

Em Portugal, a poupança de energia é algo quase malvisto, como se poupar fosse um sinal de pobreza. A construção de edifícios raramente têm preocupações energéticas Nos serviços, os edifícios envidraçados tornaram-se uma moda bacoca, com consequentes aumentos dos gastos energéticos. Os construtores e as imobiliárias preocupam-se mais em equipar as casas com aquecimentos centrais a gás e electricidade ou com a instalação de equipamentos de ar condicionado do que em utilizar materiais isolantes. E, num país com imenso sol, o aproveitamento de energia solar para aquecimento de águas é mais baixa do que na maioria dos países nórdicos. E os apoios e sensibilização para a aposta em soluções técnicas de poupança ou uso de energias alternativas são tão escassas que dificilmente têm condições para se generalizarem. Mesmo agora que os sucessivos Governos dizem apostar em força nas energias renováveis – por força de imposições comunitárias, saliente-se –, pouco se vê de concreto. Numa publicação recente da Comissão Europeia ficou-se a saber que durante a década de 90 a produção de energia por via de fontes renováveis apenas cresceu 7,5 por cento, o que contrasta com um acréscimo global dos consumos energéticos da ordem dos 53 por cento.

Nesta lógica de consumo, também não admira que as emissões de gases de efeito de estufa estejam também a aumentar no sector dos lixos. Com taxas de crescimento anual da produção de resíduos sólidos urbanos da ordem dos cinco por ano – provocado por cada vez mais embalagens e uma reciclagem incipiente –, a libertação de metano das lixeiras e aterros representem, actualmente, cerca de oito por cento das emissões totais de gases com efeito de estufa. E não deixa de ser curioso que Portugal tenha prometido, nas negociações do protocolo de Quioto, que este sector teria uma redução das emissões de quase 21 por cento. Afinal, apesar do encerramento das lixeiras, a Comissão Europeia estima que neste sector se produzam mais 2,2 por cento de gases com efeito de estufa em 2010 do que em 1990.

domingo, 10 de junho de 2007

Os custos de Quioto

Em suma, Portugal está balanceado para o desperdício, tornando-se numa economia cada vez mais débil, menos competitiva e mais poluente. No entanto, desta vez, estamos reféns da estratégia da Comissão Europeia que, mesmo com o abandono dos Estados Unidos, pretende aplicar normas rígidas para a redução das emissões. Apesar da generalidade dos países comunitários estarem algo aquém das promessas do protocolo de Quioto, não é por acaso que o Reino Unido, a Holanda e mesmo a Dinamarca estão já, com sucesso, a implantar programas bastante apertados de controlo de emissões. A aplicação de multas – sob a forma de quotas de comércio de emissões – aos não cumpridores, como Portugal, vai ser uma realidade. A própria Comissão Europeia já estimou que os oito por cento de redução das emissões em 2010, comparativamente a 1990, terão um encargo anual de nove mil milhões de euros. Para quem não conseguir, com medidas internas, alcançar esses objectivos terá de comprar “créditos de poluição” que, embora ainda em negociação, deverão atingir os 33 euros por tonelada. Ora, como Portugal poderá, segundo os dados da Faculdade de Ciências e Tecnologia, ultrapassar os limites do protocolo de Quioto entre um mínimo de 17 milhões de toneladas de dióxido de carbono e um máximo de 20 milhões de toneladas por ano em 2010, a factura para a economia nacional poderá atingir os 660 milhões de euros, ou seja, cerca de sete por cento do nosso produto interno bruto. Desta vez, o “crime” não vai compensar. Não cumpriremos e, pela primeira vez, pagaremos por isso. Pior é que esse dinheiro sairá dos bolsos dos contribuintes.

E sob várias formas. Um exemplo do impacto económico da incorporação dos custos ambientais foi mostrado por um estudo encomendado pela União Europeia em 2001. Segundo essa análise, os encargos da produção de energia poderão implicar a duplicação da factura da electricidade em muitos países comunitários. No caso português, as estimativas indicam que os aumentos poderão situar-se entre 20 por cento e 42 por cento. Os combustíveis, a bem ou a mal, também terão de aumentar. E se as coisas continuarem assim, todos os produtos, mesmo os de primeira necessidade.

Ainda por cima, no ano 2010, se nada for feito, continuaremos com mais engarrafamentos, pior ar, mais dependentes dos combustíveis, com a mais baixa taxa comunitária adstrita à investigação, mais distanciados do poder de compra dos nossos parceiros comunitários e com uma economia desequilibrada. Será este o nosso triste fado?