terça-feira, 3 de julho de 2007

Entrevista ao pai do biodiesel

Segundo o engenheiro químico Expedito Parente, pesquisador que concebeu o biodiesel há 30 anos, o sol será a principal fonte energética do futuro.

CarbonoBrasil - Como o senhor avalia o processo de implantação do biodiesel atualmente no Brasil?

Expedito Parente - Em todo mundo existem condições para a produção de biodiesel, mas o Brasil é um país que potencialmente deverá ser o maior produtor do mundo. Nós vamos liderar com certeza essa produção.
Nessa questão, o que eu considero oportuno é se perguntar: quanto custa não produzir o biodiesel? Essa resposta é diferente em relação a cada lugar que se considera. Tem um número para cada estado ou país. Mas é uma resposta extremamente importante para orientar políticas públicas em relação ao incentivo da produção do biodiesel, e serve para orientar quanto publicamente o governo pode investir para produzir o biodiesel.
Essa conta tem que levar em conta uma série de fatores – sociais, de combate a miséria, geração de renda no campo; ecológicos e ambientais. Também a questão do efeito estufa; a fuligem nas grandes cidades, que causa tuberculose; o enxofre, que é cancerígeno. Ainda tem que se avaliar os impactos econômicos, da geração de riqueza na região e os impactos estratégicos – ou seja, uma preparação para era pós-petróleo. Energia é uma coisa muito grande e não se faz um programa energético do dia para noite, isso tem uma inércia muito grande.

Qual o principal objetivo do biodiesel?

O biodiesel tem várias missões. A primeira é resolver o problema global do efeito estufa; a segunda é limpar a atmosfera de fuligem e enxofre, etc; a terceira missão é a inclusão social e a geração de renda no campo, exterminação da miséria no campo. Porque a fome no campo acontece em todo o mundo, não é só no Nordeste. É um problema que atinge a África, os países ibero-americanos, a Ásia... as pessoas estão no campo para produzir alimentos e passam fome, isso é um paradoxo muito grande.
Outra missão é estratégica, de minimizar a transição da era do petróleo para a era que podemos chamar de ‘solar’ – e que possui duas vertentes: a indireta – utiliza-se do sol para a agricultura e, conseqüentemente para produzir biocombustível. A direta produz energia a partir do sol, com uso de células fotovoltaicas.

Então o caminho são as tecnologias solares?

Sim, e essa energia solar direta é somativa. Você pode tê-la em casa, em um condomínio ou numa empresa, vai sempre somando, não tem competição. E, por outro lado, essa energia tem um transporte muito fácil, além de poder ser usada no local. Porque, enquanto você transporta petróleo em caminhões, gastando pneus e soltando gases na atmosfera, a energia elétrica é transportada por cabos - um transporte muito mais limpo. Digo isso com visão concreta. Há trinta anos eu era visto como doido por criar o biodiesel. E hoje digo uma coisa que as pessoas também não acreditam: daqui a 30 anos vamos enviar energia elétrica solar daqui para Europa por cabos submarinos. Isso vai acontecer sem dúvida.
A energia elétrica não pesa (uma pilha carregada ou descarregada tem o mesmo peso). Então, no dia em que a gente tiver uma bateriazinha que possa armazenar grande quantidade de energia, a gente poderá levar no bolso como um celular. E nós estamos sendo ensinados para isso. Um exemplo é aquele cartão que se usa nos hotéis para acender as luzes. Algum dia a gente vai ligar o nosso “celular energético” no carro elétrico e fazer ele andar, sem precisar mais ir ao posto.

E qual a possibilidade de se armazenar uma quantidade tão grande de energia em um espaço tão pequeno?

Eu trabalhei, como estagiário, no primeiro computador que o Brasil usou para fazer o senso do IGBE, no Rio de Janeiro. A memória desse computador ocupava uma sala inteira e a compra desse equipamento foi um negócio tão sério que o ministro responsável pediu demissão. Naquela época, era complicado fazer programa de computador, eu precisei fazer um curso de seis meses para começar a cheirar o programa – eu era auxiliar de auxiliar de programador. Hoje, você tem esses pen cards, do tamanho de uma unha, com capacidade de 5 Gigas. Imagina se o mesmo avanço que tivemos para o armazenamento de informação ocorrer com a energia. Isso vai possibilitar que se tenha o “celular energético”. Isso é uma certeza que eu tenho absoluta de que vai acontecer.
E, enquanto isso não acontece, as coisas vão avançando.

E quanto aos custos?

E o preço dessa tecnologia de se transformar a energia solar em eletricidade também está caindo muito. Com certeza esse custo vai chegar a um ponto semelhante ao da informática: hoje você compra um notebook nos Estados Unidos por 400 dólares. Antigamente o preço era em torno de 10 mil dólares, antes ainda, era 30 mil dólares.
Então vai estar viabilizado e ao alcance de todo mundo produzir sua própria energia.

O biodiesel então vai abrir o caminho para essa era solar?

O biodiesel vai ser um coadjuvante, vai facilitar essa mudança, vai ser um complemento dessa passagem. É uma solução imediata enquanto isso avança; mas mesmo quando as novas tecnologias avançarem, nunca se terá uma saída total. Todo ciclo de energia foi assim. Começou-se com a lenha, depois veio o carvão mineral; mas, mesmo usando carvão, a lenha continuou a ser usada. Então chegou o petróleo, e o carvão continuou a ser empregado. Há sempre uma predominância. A energia elétrica solar vai predominar, mas existirão outras formas, como a eólica e outras energias provenientes da biomassa, etc.

Por que justamente a energia solar será a predominante?

Porque é uma energia limpa, de uma fonte inesgotável - o Sol, e de muita qualidade. Um motor diesel tem 30% de eficiência energética enquanto um motor elétrico supera 95%. Outra vantagem é que o motor elétrico não faz barulho e não emite gases, nem calor. Um motor de combustão, à gasolina ou a diesel, é barulhento, esquenta e emite gases.
Todo o transporte de energia elétrica é limpo, super eficiente e não precisa de motorista.


As pesquisas para desenvolver tecnologia solar no Brasil estão avançadas?

Estão sim, aliás, o mundo todo está atrás disso. O homem é muito maleável. Nós vamos entrar numa economia de guerra. Os grandes avanços tecnológicos se deram nas guerras. E nós vamos enfrentar uma guerra agora contra a poluição e contra a escassez de energia. Eu tenho percebido claramente isso nas minhas idas aos Estados Unidos em virtude do convênio com a Boeing e com a Nasa. Nós temos conversado e eu vejo que é guerra e que vai todo mundo atrás. Tem gente trabalhando horas e mais horas atrás disso.

E, falando no convênio que o senhor firmou recentemente com a Boeing, como surgiu o bioquerosene?

A história é a seguinte: na época em que eu concebi o biodiesel, eu precisava testar. Eu mesmo testei preliminarmente, mas não sou especialista nisso, minha especialidade é Engenharia Química, é indústria. Então eu procurei uma instituição que pudesse assinar embaixo e dar certificados. Eu já tinha certeza que iria dar certo porque rodei 250 mil quilômetros numa caminhonete e o motor respondeu muito bem. Então, eu procurei o Ministério da Aeronáutica. O ministro da época militar foi muito frio e disse que não tinha interesse em diesel, mas sim no querosene para aviação. Eu percebi que se não assumisse algum compromisso com o querosene, eu iria perder o bonde. Então eu disse ao ministro que faria o bioquerosene. Daí eu me comprometi, assinei um calhamaço de papel, empenhei até meu anjo da guarda naqueles documentos.
O bioquerosene é um subproduto de biodiesel produzido de determinadas oleaginosas. E foi feito. Até andou mais rápido que o biodiesel. O primeiro vôo foi em 23 de outubro de 1984, num evento em comemoração ao dia do aviador.

E por que levou tanto tempo para o bioquerosene ressurgir?

Naquela época isso era um combustível secreto, de uso militar. Foi considerado um projeto de segurança nacional. Não poderia ser divulgado, por isso que assinei todo aquele compromisso quando me propus a desenvolver. Naquele tempo, eu não podia nem viajar sem informar para onde iria, fiquei sendo vigiado em torno da minha casa e tudo mais.

E agora o senhor resolveu divulgar, então?

É, depois daquilo, o governo não mostrou interesse em continuar o projeto e eu acabei concentrando minha atenção no biodiesel para não misturar as coisas. Quando vi que o processo de biodiesel já estava consolidado e era irreversível, eu tomei a iniciativa de ressuscitar o bioquerosene, pois não havia mais porque continuar em sigilo.
Em 2005, na China, fui premiado pelas Nações Unidas, ao anunciar exatamente o querosene de aviação e o biodiesel. E a notícia, a partir daí, correu o mundo. A Boeing soube, me chamou lá para discutir e nós fechamos um contrato de operação no ano passado. Nós estamos testando esse novo bioqueronese dentro do cenário atual, já que as turbinas tiveram muitos avanços ultimamente. E agora nós estamos no segundo contrato com a Boeing, com apoio da Nasa, exatamente nessa fase de testes.

Voltando a falar do biodiesel, como o senhor avalia as atuais políticas públicas no Brasil para a implantação desse combustível?

Hoje o processo tem todo o apoio do presidente Lula, principal entusiasta do biodiesel. É a menina dos olhos dele, ele fala todo dia, toda hora no biodoiesel. E a maioria dos estados está alinhada nessa política também, com programas estaduais. Santa Catarina é um dos estados que está mais ausente em termos de biodiesel. Os programas existentes estão fornecendo financiamentos, privilégios. Também está existindo o chamado “selo social”, que cria incentivos para a agricultura familiar.

Outro ponto bastante debatido na questão do biocombustível é a relação da produção de energia X produção de alimento.

Não existe nenhum conflito entre as duas coisas, pelo contrário, a produção de biodiesel é indutora da produção de alimentos. A biomassa serve para fazer os biocombustíveis (pode ser biodiesel, bioquerosene, bioetanol); para produzir biofertilizantes, e para produzir alimentos, ração. Um exemplo: da soja se extrai o óleo, que será transformado em biodiesel, mas também se retira farelos para criação de frangos, etc. Então, todos esses óleos vegetais servem para produzir frango, leite, queijo, carne de porco – tudo isso que alimenta. O biodiesel é indutor - ao produzir o biodiesel se induz a produção de alimentos.

E quanto ao perigo das plantações avançarem sobre as áreas de florestas?

É, isso deve ser evitado. Mas tem muita área desflorestada que servem para plantar. Na Amazônia há muitas áreas desmatadas que podem ser utilizadas para o cultivo. Existe uma divergência de informações em relação a extensão dessas áreas. Na Alemanha, eu peguei um número de 80 milhões de hectares. Mas no Brasil, estão falando em 40 milhões. Essas são áreas em que o solo é raso e não serve para se fazer cultivos anuais porque o solo fica pobre. A natureza preparou aquela região exatamente para plantas perenes. Por isso é importante se ter leitura da natureza. A vocação daquelas áreas são para culturas permanentes, como o dendê e muitas outras oleaginosas, tem uma centena delas por lá. Agora o grande problema é se fazer um reflorestamento equilibrado, porque, na realidade, não se pode provocar os males de uma monocultura.

Nas suas palestras, o senhor sugere a adoção do biodiesel em “ilhas energéticas” na Amazônia. Como funcionaria?

Os povoados isolados são verdadeiras ilhas populacionais e também energéticas. Lá não se pode receber energia de fora por linhas elétricas – não tem como passar isso por meio da floresta e de rios, é muito caro para pouca gente. Então a energia precisa ser gerada naquele lugar. Nós temos plantas de unidades compactas para produção do biodiesel dentro do povoado. Nós levamos uma máquina já montada de avião até uma savana, onde tem um helicóptero que a transporta até o local em que vai funcionar.

Por Fernanda Muller e Sabrina Domingos, CarbonoBrasil.

in EcoAgência

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