quinta-feira, 28 de junho de 2007

Portugal energético

Estava-se em Dezembro de 1997, discutia-se em Quioto a urgência de medidas para a redução das emissões de dióxido de carbono e de outros gases responsáveis pelo aquecimento global. Portugal era dos poucos países ditos desenvolvidos que destoava: Elisa Ferreira, então ministra do Ambiente, reivindicava o direito do nosso país ao crescimento económico e que isso implicava aumentar as emissões de poluentes.

Apesar do incómodo desta posição nacional numa União Europeia apostada em ser vanguardista, os nossos parceiros consentiram em suportar um aumento de 27 por cento das emissões lusitanas de dióxido de carbono. Tudo para que Portugal se tornasse um país mais próspero e produtivo. O ambiente podia esperar, o desenvolvimento económico estava ali mesmo ao lado. Até porque, nas palavras da antiga governante, o Mundo poderia estar descansado que iríamos fazer “um esforço monumental” para controlar as emissões. Passado cinco anos, vamos afinal encontrar um país que, embora não rasgando acordos como os Estados Unidos – somos demasiado cumpridores teóricos dos pactos internacionais –, só cumpriu uma das promessas: em vez de um monumental crescimento económico, acabou apenas por registar um monumental crescimento da poluição.

Relativize-se, contudo, o incumprimento português nas metas de Quioto. Portugal não é os Estados Unidos e em termos de aquecimento global, a nossa quota de emissões é uma pequena gota de água – cerca de 0,5 por cento do total mundial. Mas num aspecto tão vital para o futuro do Planeta, o comportamento nacional não só é um triste exemplo de falta de empenho – dos efeitos nefastos que trazem em termos económicos –, como um sinal de falta de visão geracional num país com nove séculos de história. Sobretudo porque Portugal será, sem dúvida, um dos país que mais tem a temer um cenário de alterações climáticas.

Um projecto multidisciplinar português – financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia – tem em curso vários estudos que, numa primeira fase, já estimaram os principais impactes económicos e sociais no território português. Certezas, para já, existem poucas, mas uma é incontornável: Portugal será mais quente e mais seco no final do século XXI. Em traços gerais, prevê-se, para o nosso país, um aumento da temperatura média da ordem dos quatro graus e uma diminuição de 100 milímetros na precipitação anual. Podem parecer pequenas alterações quase irrelevantes, mas não o são.

Se o facto de vir a chover menos no Norte – onde actualmente se ultrapassam os 1000 milímetros por ano – não é dramático, em algumas regiões do Sul do país essa diminuição pode ser fatal para a agricultura e outras actividades humanas, colocando mesmo em risco alguns dos ecossistemas naturais. É que se em média estamos a falar de um decréscimo da ordem dos 20 por cento, também se terá de contabilizar a maior frequência prevista para a ocorrência de secas. Por isso, dentro de um século, um ano dito normal poderá ser equivalente a um período de intensa seca nos dias de hoje. Mesmo com Alquevas, a água será um recurso cada vez mais escasso, tanto mais que, com a subida das temperaturas, aumentarão as necessidades de rega e as perdas de água por evaporação.

O futuro da agricultura – se entretanto novas políticas agrícolas comuns não derem cabo daquilo que ainda existe – poderá ser sombrio neste cenário inóspito. Embora maiores teores de dióxido de carbono até beneficiem o desenvolvimento das plantas, além da escassez de água, as pragas agrícolas podem crescer, fruto do aumento da temperatura e da secura atmosférica. Haverá culturas que não mais poderão ser feitas em Portugal ou será necessário recorrer a cultivares e métodos de cultivo completamente diferentes, mas com maiores gastos de água e de energia.

Por exemplo, há dois anos, uma equipa de cientistas, coordenada pelo professor Filipe Duarte Santos, efectuou um ensaio agrícola em Santarém, tendo concluído que para atingir a mesma produtividade que hoje se obtém será necessário antecipar, no caso do milho, a sementeira em cerca de 15 dias e mudar para um cultivar que aguente um período vegetativo mais longo. E seria necessário para se obter a mesma produtividade quase 40 por cento mais água, que, como já se referiu, não abundará.

No entanto, a agricultura não será o único sector afectado. Face ao menor escoamento dos rios, as barragens hidroeléctricas também irão produzir menos. Estima-se que a redução da produção hidroeléctrica seja de cerca de 20 por cento em relação à actualidade, aumentando ainda mais a nossa dependência externa de combustíveis fósseis. Para agravar ainda mais a situação portuguesa, as elevadas temperaturas, sobretudo no Verão, resultará num incremento da procura energética nas regiões do sul do país da ordem dos 62 por cento, que terá de ser satisfeito sobretudo através da queima de combustíveis. É o que se chama um efeito de bola de neve mas, neste caso, quente.

As consequências negativas da subida do nível das águas do mar – pela simples dilatação provocada pelo aumento da temperatura global e não propriamente pelos degelos – serão também significativas. De acordo com as previsões nacionais, 67 por cento da nossa costa continental sofrerá elevados riscos de perda de terreno. As áreas mais afectadas, com perda de praias, serão sobretudo a faixa entre a foz do Douro e Nazaré, bem como a faixa algarvia entre a praia do Ancão e a foz do Guadiana. Os estuários – que constituem “berços” nas primeiras fases de crescimento de várias espécies de peixes com interesse comercial – e outras zonas húmidas litorais de grande importância biológica também vão sofrer bastante, sobretudo porque a proximidade de muitas zonas urbanas não lhes permitirá adaptarem-se ao avanço das águas do mar.

Paralelamente a isto, o sector das pescas também sairá prejudicado pelas modificações nas correntes oceânicas. Como a disponibilidade de nutrientes necessários para a alimentação dos peixes derivam de movimentações verticais das águas do mar – o chamado “up-welling” –, que tendem a reduzir-se ou a deslocalizar-se com o aumento da temperatura, poderão existir problemas nos stocks pesqueiros nacionais. Ainda não existem certezas, mas estima-se que haja variações negativas nas populações de atum, sardinha e polvo, embora possam ser compensadas pelo aparecimento de outras espécies que actualmente são pescadas sobretudo nos mares de Marrocos, como o carapau e o pargo.

Prevê-se também o avanço da intrusão salina – inutilizando, assim, muitas captações de água subterrânea no litoral – e uma maior agressividade das tempestades marítimas. Nessas ocasiões a subida das águas do mar pode ultrapassar um metro em algumas zonas comparativamente às situações actuais, colocando em maior perigo áreas urbanas e portuárias.

No caso dos fogos florestais, o desastre então vai ser completo. Os estudos nacionais indicam que o risco de incêndio da nossa floresta duplicará ou triplicará entre os meses de Maio e Outubro. O número de dias no ano em que esse risco passa a ser muito elevado aumentará entre três e cinco vezes. Nestas condições, se a situação actual já não é muito famosa, imagine-se então o futuro. Com tudo isto, a tendência aponta para um empobrecimento dos ecossistemas naturais e humanizados, onde a floresta será substituída por matos economicamente improdutivos. E mesmo os montados de sobro tornar-se-ão bastante vulneráveis, sobretudo na parte mais a sul do Alentejo e Algarve.

Em termos de saúde pública, as ondas de calor – isto é, os efeitos de duas sucessivos com mais de 35 graus no Verão, considerada uma temperatura de risco – serão mais frequentes e duradouros, aumentando as taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares e outras afecções cardio-respiratórias, sobretudo se associadas à poluição atmosférica. Os estudos já desenvolvidos apontam também para um incremento de determinadas doenças até agora raras em Portugal, como a leptospirose ou a leishmaníose. A possibilidade de sobrevivência dos vectores de doenças tropicais aumentará com o aquecimento global, pelo que, por exemplo, a malária, actualmente inexistente em Portugal, poderá vir a constituir um motivo de preocupação.

As mudanças climáticas poderão alterar fortemente outras actividades económicas, como o turismo. O Algarve ficará demasiado quente e, ao invés, o litoral centro e norte mais apetecível comparativamente com a situação actual, mas muito provavelmente com significativas reduções das zonas dunares e de praias. A diminuição da frequência de nevoeiros e a temperatura mais elevada na costa atlântica a norte do cabo Raso pode tonar esta zona litoral mais atractiva para lazer, em detrimento de outras, como o Algarve, o que a verificar-se trará consequências socio-económicas bastante relevantes. E não se pense que isto são cenários futuristas e, portanto, de ficção. Não terá sido por acaso que em Abril deste ano a Organização Mundial do Turismo realizou, na Tunísia, a sua primeira conferência internacional sobre Alterações Climáticas e Turismo.

1 Comentários:

Blogger Miguel Carvalho disse...

Parabéns pelo novo blog!
Vou já subscrever.

1 de julho de 2007 às 18:04  

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